Pesquisa internacional com participação do IDOR mapeou fatores ambientais e regiões mais vulneráveis à transmissão do vírus, que já causa surtos em diversos estados brasileiros 3c4f46
Em meio ao aumento expressivo de casos de febre do Oropouche no Brasil e em outros países da América Latina, um estudo inédito publicado no periódico The Lancet identificou os principais fatores por trás da disseminação do vírus, revelando quais regiões estão mais suscetíveis à transmissão. A pesquisa contou com a participação do Dr. Fernando Bozza, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e da Fiocruz, e integra um esforço internacional para compreender e conter o avanço desse arbovírus.
Uma doença em expansão territorial
Desde o final de 2023, a América Latina vivencia um surto sem precedentes de febre do Oropouche. Historicamente à região amazônica, o vírus atualmente alcança regiões costeiras, diversos estados brasileiros e parte da América Central.
Em 2023, no Brasil, os casos confirmados não chegavam a 900 notificações, enquanto em 2024 elas escalaram para mais de 13 mil. Em 2025, segundo o Epidemiológico do Ministério da Saúde, já houve quase 8 mil registros — cerca de metade apenas no mês de janeiro, quando eventos climáticos extremos marcaram o verão do país.
Entendendo o alastramento da doença
Diante dessa expansão acelerada, pesquisadores de seis países latino-americanos (Brasil, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador e Peru) reuniram amostras de sangue coletadas entre 2001 e 2022 para investigar a circulação histórica do vírus. Ao todo, foram analisadas mais de 9 mil amostras de soro em laboratório, usando testes sorológicos e genéticos. O objetivo era identificar os padrões de infecção ao longo do tempo e elaborar modelos preditivos de risco com base em variáveis socioambientais.
Os resultados surpreenderam os cientistas. A taxa média de detecção de anticorpos contra o vírus foi de 6,3%, com variações regionais significativas. As áreas com maior risco de transmissão segundo o modelo sorológico incluíam a bacia do Rio Amazonas, regiões costeiras e o sul do Brasil, além de partes da América Central e ilhas do Caribe — o que se alinha com os dados atuais de surtos reportados pela Organização Pan-Americana da Saúde.
Apesar dos pesquisadores não encontrarem evidências de que a recente explosão de casos esteja relacionada a mutações genéticas no vírus, o estudo identificou fortes correlações com fatores climáticos. A análise estatística apontou que mais de 60% da contribuição para o risco de transmissão foi explicada por variáveis como temperatura e volume de chuvas. O El Niño — fenômeno climático que aquece as águas do Pacífico e altera os padrões meteorológicos — foi apontado como possível catalisador dos surtos recentes de 2023 e 2024.
Utilizando técnicas avançadas de aprendizado de máquina (machine learning), os autores conseguiram construir mapas de risco com alta precisão. Um dos modelos, baseado na presença ou ausência de anticorpos para o vírus da doença, obteve acurácia de 79%, e os locais identificados como mais vulneráveis apresentaram correlação significativa com a incidência real da doença em 2024.
O estudo também demonstrou que o vírus continua a circular silenciosamente em regiões endêmicas, com diferentes intensidades, reforçando a necessidade de ampliar o diagnóstico clínico e laboratorial.
Transmissão e diagnóstico
Causada pelo vírus Oropouche (OROV), a febre oropouce é transmitida pela mosca Culicoides paraensis, também chamada de maruim ou mosquito-pólvora. Hoje, o diagnóstico da febre do Oropouche depende da avaliação de sintomas associados a fatores epidemiológicos, como a ocorrência de casos em determinada região ou o deslocamento do paciente a áreas afetadas.
Com a crescente dispersão geográfica e os desafios para o diagnóstico preciso, os autores defendem a inclusão sistemática da febre do Oropouche nos sistemas nacionais de vigilância, especialmente em contextos de surtos febris com sintomas inespecíficos.
A pesquisa liderada oferece uma visão ampla e inédita sobre o comportamento do vírus Oropouche ao destacar o papel do clima e mapear áreas de risco com alta precisão. As descobertas são valiosas para que governos e instituições de saúde se antecipem a novos surtos e protejam populações vulneráveis.
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Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.